Em entrevista exclusiva ao iG, Carmita Abdo diz quais são as preferências e dificuldades sexuais da mulher brasileira. Júlia Reis, iG São Paulo
“Como enlouquecer um homem na cama?” Durante muito
tempo fizemos essa pergunta. Agora os tempos são outros e a mulher
busca um olhar mais introspectivo: “o que me dá prazer?” Caminhamos um
bocado, é verdade, e as barreiras mudaram com o tempo. Atualmente, a
dificuldade maior parece ser verbalizar os próprios desejos, garante
Carmita Abdo, psiquiatra especialista em medicina sexual e fundadora do
programa de estudos em sexualidade da Universidade de São Paulo (USP).
Ao Delas, Carmita fala sobre os anseios da mulher na cama e o
posicionamento mais positivo do homem diante do prazer feminino, e
alerta: “As pessoas estão fazendo sexo de massa”.
Carmita Abdo: “Desejo sexual espontâneo em mulheres não é uma regra”
iG: Como as mulheres estão se comportando sexualmente?
Carmita Abdo: Elas estão buscando mais o próprio prazer. Essa
tendência, iniciada há 50 anos, está se instalando de forma tímida e
gradual. Mas as novas gerações já iniciam a vida sexual sob essa
perspectiva e não têm dúvida que o sexo pode ser prazeroso, dar
satisfação e proporcionar maior intimidade e entendimento entre o casal.
E os homens já valorizam o prazer feminino. Eles se sentem
gratificados frente a uma mulher que demonstra gostar e apreciar o
sexo. Assim, os homens buscam no prazer feminino uma complementação do
seu.
iG: E a pergunta para a qual quase todos os homens querem a resposta: o que elas preferem na cama?
Carmita Abdo: As mulheres gostam de preliminares envolvendo
beijos, abraços, carícias nos seios e sexo oral. São coisas que
significam intimidade quando se sentem atraídas pelo parceiro. E o
interesse deles em agradá-las é surpreendentemente positivo. Já a
penetração é um coroamento.
iG: Mas parece que elas ainda sentem que estão incomodando ao pedir coisas como sexo oral. Você concorda?
Carmita Abdo: As mulheres ainda não estão confortáveis para
receber prazer, isso é um processo que está mudando. Diferente do homem,
ela não fica tão à vontade para solicitar sexo oral – apreciar e poder
alongar aquele momento. Elas têm um incômodo em relação a
preliminares, e isso vem de ouvir os homens dizerem que a penetração é
importante para eles. Fica para a mulher uma ideia de que tudo que o
homem faz ativamente, como penetração oral, vaginal e anal, é
interessante, mas outras ações, como fazer sexo oral, beijar e abraçar,
são obrigações para ele. Por isso, às vezes, ela abre mão de aproveitar
esses estímulos.
iG: Como a mulher enxerga a masturbação hoje em dia?
Carmita Abdo: Pesquisas mostram que dois terços das mulheres
nunca se tocaram ou se excitaram a partir do momento que entenderam o
que é a masturbação. Elas se controlam diante desse impulso. Poucas
aceitam essa situação como autoconhecimento e parte da sexualidade.
iG: Durante toda a vida mulheres
recebem estímulos sexuais diferentes com relação aos homens. Isso
interfere na relação com o próprio corpo?
Carmita Abdo: Sim. Isso começa na educação e acaba a
acompanhando por toda a vida. A mulher ainda é uma guardiã de si mesma,
não se autoriza ao contato com a vagina. Um exemplo disso é a rejeição
aos contraceptivos como anéis vaginais e camisinhas femininas. Mesmo os
absorventes internos, elas usam quando vão para a piscina, e só.
Preferem os externos.
iG: Fantasias e fetiches: as que se permitem explorar isso também são minoria?
Carmita Abdo: Explicitar esses desejos ainda soa agressivo para
grande parte das mulheres. Aquelas que fantasiam e acham que isso faz
parte do ato sexual não passam de 15%. Os homens têm facilidade de
fantasiar, eles têm sonhos e projetos sexuais que gostariam de executar.
Já elas vivem de forma mais presencial, de acordo com o estímulo que é
colocado no momento. Mesmo sabendo de algo que lhe dará prazer, nem
sempre ela comunica, principalmente para proteger o parceiro e não
abater a autoconfiança dele. Mas, normalmente, quando as mulheres
propõem para o homem situações diferentes, eles agradecem porque sabem o
que fazer para dar prazer.
Para a psiquiatra, o sexo deixou de ser visto como algo sujo, mas também passou a ser visto como algo banal
iG: E com o que as mulheres fantasiam?
Carmita Abdo: Existe a fantasia de se relacionar com dois
homens ao mesmo tempo, que é a mais comentada. Mas elas querem
principalmente exercitar sua sedução. Imaginam fazer sexo sem ter uma
participação tão ativa, como em um striptease, e ser objeto do
vouyerismo masculino. Ser desejada e observada é excitante para a
mulher.
iG: Então podemos dizer que se sentir desejada é algo importante no sexo para elas?
Carmita Abdo: Sim, e às vezes é só isso. A mulher que seduz nem
sempre quer o prazer sexual, ela pode querer o prazer da conquista.
Algumas se apresentam atraentes e sensuais, mobilizam desejo, mas depois
da conquista elas se transformam em alguém nada interessante e
estimulante, sem desembaraço na cama. Inspiram e transpiram sexo, mas
não correspondem na prática.
iG: Hoje elas falam mais sobre
suas performances, os meios de comunicação voltados para as mulheres
abordam com frequência temas como orgasmo. Se por um lado a busca pelo
prazer é positiva para a mulher, será que também não aumentaria a
cobrança e a tensão na hora do sexo?
Carmita Abdo: Isso é motivo de pesquisa hoje. Há dez anos já
consideramos cientificamente que o ciclo da resposta sexual da mulher é
diferente do homem. Eles têm desejo, excitação, orgasmo e resolução,
mas elas nem sempre iniciam o sexo desejando. Desejo sexual espontâneo
em mulheres não é uma regra. Ela tem isso nos relacionamentos recentes e
reatamentos, aí sim ela quer sexo, pensa em sexo e busca o sexo de uma
forma proativa. Nos relacionamentos mais longos ela tem um desejo em
resposta aos estímulos, precisa ser provocada. E as mulheres também não
necessariamente precisam do orgasmo para fechar seu ciclo. Muitas se
satisfazem com a excitação e o encontro sexual: abrem mão do orgasmo
porque naquele momento não é uma prioridade.
iG: Algumas mulheres dizem, em
alguns momentos da vida, querer sexo e nada mais. De maneira geral,
elas conseguem lidar com isso com clareza ou ainda têm dificuldade para
fazer essa escolha?
Carmita Abdo: A mulher realmente se preocupa em não parecer
vulgar, muito livre ou exageradamente proativa sexualmente. Existe, sim,
no coletivo feminino, a ideia de que o sexo é um elemento por meio do
qual ela se liga ao homem e, guardadas as devidas proporções, existe
uma expectativa de constituir uma família com um parceiro estável. O
sexo pelo sexo é algo que a menina pratica no início da vida sexual.
Existe um interesse de conhecer vários homens, comparar, avaliar sua
capacidade de sedução. Conforme a mulher se aproxima da terceira década
da vida, quando costumam acontecer os casamentos, o sexo pelo sexo
tende a se tornar insuficiente, insatisfatório. Depois ela costuma
estabelecer uma relação na qual não é o sexo que leva à eleição daquele
parceiro. Ela busca nele outras qualidades.
iG: E quais qualidades a mulher busca no parceiro?
Carmita Abdo: Na fase da iniciação sexual ela busca um homem
bonito, charmoso, competente e sedutor. A partir do momento que começa a
pensar em uma parceria estável, é mais importante que ele seja uma
pessoa com quem ela consiga ter uma convivência agradável e positiva. Se
ele puder ser bonito, charmoso e sexualmente competente, ótimo!
iG: O que ela exige dele na cama?
Carmita Abdo: Para ela é fundamental que ele seja eficiente,
algo que está se tornando complexo porque os casais hoje se encontram e
já começam a fazer sexo. Assim, eles têm que quebrar uma série de
barreiras rapidamente que antes se quebravam ao longo do tempo. Ambos
têm que estar dispostos a transar sem ter tanta intimidade ou saber
muito sobre o outro. Assim dá até para entender porque tantos homens
recorrem a medicamentos para garantir a ereção, já que não sabem se vão
ficar realmente interessados ao longo do processo.
iG: Um homem fica constrangido quando falha, perde a ereção ou ejacula
rápido demais. Mas as mulheres parecem levar esse fardo com elas também.
Será que elas sabem lidar com esses momentos?
Carmita Abdo: Muitos rapazes chegam ao consultório surpresos
com uma avaliação negativa que tiveram. Alguma mulher teve o bom senso
de dizer que ele era um ejaculador precoce – e ele sempre achou que
estava tudo bem porque ninguém tinha reclamado antes. Quando o homem
falha existe todo tipo de reação: mulheres que ficam irritadas, que
fingem não perceber, algumas tentam ajudar, tem também as que não falam
nada e não querem mais vê-lo e até aquelas que se sentem culpadas e
querem uma “nova chance”.
iG: A mulher parece estar bastante exigente. Ela tem que ter prazer, o parceiro tem que ter um bom desempenho…
Carmita Abdo: A mulher exige de si uma disponibilidade para o
sexo que não é real. Ela acha que se esperar demais vai perder a
oportunidade de estar com aquele parceiro. Hoje o sexo está incorporado
no processo de conhecer as pessoas. E mesmo antes de saber o que um
homem faz, gosta ou pensa, ela já se disponibiliza sexualmente. E como o
sexo muitas vezes vem antes de tudo, é compreensível que ela seja mais
exigente. A grande transformação que o sexo viveu nos últimos anos é
que ele deixou de ser visto como algo sujo, mas passou a ser visto como
algo banal.
iG: Para um futuro próximo, será
que podemos esperar uma mulher mais atenta para esse tempo sexual? Um
movimento que equilibre essa banalização? Não por moralismo, mas por
querer ter de volta esse envolvimento anterior com os homens?
Carmita Abdo: Esse movimento existe na sociologia, de abertura e
fechamento. Mas eu acho ótimo que as pessoas vivam hoje o sexo de uma
forma mais livre e menos hipócrita, que se possa falar e exercer a
sexualidade. O problema é que as pessoas não estão se consultando sobre o
sexo que querem fazer. As pessoas estão fazendo sexo de massa.
iG: Sexo de massa?
Carmita Abdo: Sim. Sexo no qual existe um roteiro que você deve
seguir, uma prática que está disseminada e padronizada. É como um
movimento de adolescente, quando as pessoas que se vestem igual, gostam
das mesmas coisas, fazem as mesmas coisas. E elas também fazem sexo de
uma forma homogênea.