Durante muito
tempo, era praticamente proibido falar nele nas igrejas. Assunto
restrito às quatro paredes dos gabinetes pastorais e considerado tabu
pelos crentes, o sexo tem sido visto como uma espécie de fruto proibido
ao longo de séculos. A imagem, aliás, é das mais apropriadas –
acostumou-se a associar o pecado original de Adão e Eva à prática do
sexo, e não à desobediência explícita ao Criador. Vítima de
preconceito, legalismo e uma pseudomoralidade que visava muito mais ao
controle social do que à santidade, a sexualidade atravessou as eras
como algo sujo, um prazer proibido, algo que afastava as pessoas de
Deus. Visão bem diferente do propósito do Senhor, que dotou o ser humano
da capacidade de amar e ser amado, ao ponto de a própria Palavra de
Deus aconselhar o homem a gozar a vida com sua mulher.
Novos tempos, novos valores.
Ultimamente, os crentes em Jesus têm aprendido não só a valorizar o
sexo – quando praticado dentro dos limites do casamento, bem entendido –
como a, vejam só, falar sobre ele. O resultado disso é que trabalhos
inimagináveis há algumas décadas têm sido realizados entre a comunidade
evangélica, levando os crentes a mostrar a cara e a falar claramente
sobre suas preferências, dificuldades e práticas de alcova. O mais
recente deles é a pesquisa de opinião O crente e o sexo que constitui
um amplo panorama sobre o assunto, em que quase 12 mil crentes – sendo
5,1 mil casados – responderam a perguntas enviadas pelo Bureau de
Pesquisa e Estatística Cristã (Bepec), que está sendo lançado junto com
a pesquisa.
Através de uma parceria com a empresa
Akna Software, especializada em marketing digital, e o portal e revista
cristã Genizah, o Bepec teve acesso a mais de 1,5 milhão de endereços
eletrônicos de evangélicos, sendo que o instrumento de coleta foi
mandado para cerca de 71,5 mil destinatários. Por questão de
metodologia, apenas o grupo-alvo dos evangélicos casados foi totalizado
neste primeiro momento. Um universo amplo, representando diferentes
regiões do país e classes sociais, bem como oito grandes grupos de
confissões, incluindo igrejas tradicionais, pentecostais e
neopentecostais e denominações de grande porte, como Batista e
Assembleia de Deus. “A pesquisa foi feita com rigor científico”,
destaca o profissional de marketing digital e blogueiro Danilo
Silvestre Fernandes, idealizador do Bepec. Evangélico, ele conta que
suas principais motivações foram o interesse que o assunto desperta e a
carência de material do gênero. “Não há quase nada disponível sobre a
sexualidade dos evangélicos”, atesta. “Sexo é tabu entre os crentes e
as matérias sobre isso são as mais lidas e comentadas. Quisemos produzir
conteúdo inédito – incluindo dados primários, como é o caso da
pesquisa O crente e o sexo.”
Não se pode negar mesmo que o assunto
seja apimentado. E que, a partir da divulgação dos resultados da
pesquisa, deve render mais pano para a manga nas igrejas. Como
explicar, por exemplo, o espantoso percentual de 25% dos homens crentes
casados que já traíram a mulher? Ou que 56% dos pesquisados do sexo
masculino tenham praticado sexo com o futuro cônjuge antes do
casamento? E isso, mesmo levando em conta que quase a metade dos
respondentes têm mais de dez anos de conversão à fé evangélica e que o
espectro etário é amplo, compreendendo dos 16 aos 55 anos. Ademais, a
metade dos pesquisados informou ter mais de oito anos de casamento – ou
seja, é gente que já passou pela famosa “crise dos sete anos”, o que é
indicativo de estabilidade na relação. A conclusão, óbvia, é de que o
abismo entre o discurso dos púlpitos e a prática dos crentes, que
sempre se suspeitou existir, é um fato.
“Chamou-me a atenção o índice de casais
crentes que tiveram relações sexuais antes do casamento”, aponta o
pastor Gilson Bifano, diretor do Oikos, ministério cristão de apoio à
família. Sediado no Rio de Janeiro, a entidade promove aconselhamento,
estudos e eventos voltados para casais crentes. Ele diz que muito do
que a pesquisa mostrou já é do conhecimento de quem trabalha nesta
área. “Creio que os tempos modernos têm influenciado o comportamento
dos casais crentes. Sexo é assunto que ficou, por muitos anos, sem ser
tratado no âmbito evangélico. Há muito dogmatismo e falta diálogo.”
“Sem Surpresa”
A pesquisa desce a minúcias como
práticas sexuais dos casais crentes, envolvimento com homossexualismo e
uso de pornografia – quesito no qual 44,5% dos consultados responderam
“sim”. No entender de Danilo, o que chama a atenção é a proximidade
relativa dos dados de Os crentes e o sexo e outra pesquisa, esta
realizada pelo Ministério da Saúde em 2009 com a população em geral.
Ali, o objetivo era bem diferente: balizar políticas públicas de
combate à Aids. Mesmo assim, alguns dados são inquietantes – como o
índice de traição ao parceiro fixo, que ficou na casa dos 16 por cento
em um ano na mostra do governo. “Isso não quer dizer, evidentemente,
que o evangélico traia mais”, ressalva. “Apenas que os crentes, em
diversos aspectos, não diferem tanto assim das pessoas que a Igreja
convencionou chamar como ‘do mundo’.”
“De modo geral, não me surpreendo”,
comenta o pastor Geremias do Couto, da Assembleia de Deus. Fiéis de sua
denominação, conhecida historicamente pelo rigor nos costumes,
constituem um quinto do total de pessoas casadas que entraram na
pesquisa. Mesmo assim, ele concorda que a influência de uma prática de
vida liberal tem cobrado seu preço da Igreja, sobretudo nesta área: “O
percentual naqueles pontos que, de fato, consideramos anomalias, ou
mesmo pecado, estaria, a meu ver, dentro de um corte que corresponde ao
modo como a prática da fé cristã é vivida, hoje, sem muito
comprometimento”.
Geremias, que é vinculado ao projeto My
hope (“Minha esperança”), da Associação Evangelística Billy Graham, e
dedica parte de seu ministério à orientação cristã para casais, teve
acesso aos dados da pesquisa antes de sua divulgação. O ponto que mais
chamou sua atenção foi mesmo o da traição entre cônjuges crentes.
Exatos 24,68% dos homens admitiram a pulada de cerca, enquanto que 12%
das casadas evangélicas caíram em adultério. O detalhe é que, entre os
neopentecostais, o índice supera em cerca de 5 pontos o de adeptos de
outras denominações – como os anglicanos e presbiterianos,
classificados na pesquisa como “reformados”. “Seriam, hipoteticamente,
dois a três casos de infidelidade em cada dez casais crentes”, aponta o
pastor.
Abertura
A pesquisa não deixou de abordar
questões como frequência de atos sexuais no casamento e as diferentes
modalidades de práticas sexuais. Engana-se quem pensa, por exemplo, que
crentes se contentam com as mais convencionais. Quase 38% dos que
responderam a pesquisa – lembrando que foram 56% de homens e 44% de
mulheres – disseram que “vale tudo” no quarto conjugal, desde que ambos
concordem. Aí entram a masturbação mútua, o sexo oral (com grande
aceitação para mais de 80%) e até sexo anal, normalmente vetado por
líderes e conselheiros por sua associação com práticas promíscuas
homossexuais, a chamada sodomia. Mas 21,4% dos casais crentes
confessaram praticá-lo.
Tratar de aspectos tão delicados da
intimidade conjugal só foi possível, segundo Danilo, pela garantia do
anonimato. “Pesquisas onde a coleta dos dados não é presencial, embora
exijam mais cuidado na amostragem científica, ganham nos fatores
envolvendo a privacidade do objeto do estudo. Isso incentiva a abertura
para assuntos difíceis e a honestidade das respostas”, explica. “Tenho
certeza de que muitos usaram a pesquisa como uma espécie de
confessionário, prática abandonada pelo protestantismo”, opina o bispo
Hermes Fernandes, um dos colaboradores de Genizah e líder da Rede
Episcopal de Igrejas da Nação Apostólica (Reina). Ele acompanhou a
elaboração da pesquisa e diz que o estudo confirma, com riqueza de
detalhes e informações, o que todo mundo sabe: “O proibido é mais
gostoso”. Para Hermes, a pressão exercida pela religiosidade acaba por
acentuar as pulsões sexuais, tornando-as exacerbadas. “Muitos
certamente ficaram aliviados por saber que não são os únicos a adotar
certos comportamentos considerados tabus.”
“Religião não é cabresto”
O pastor Carlos Moreira, 45 anos, da
Igreja Episcopal Carismática do Brasil, acredita que a pesquisa O
crente e o sexo foi importante para desfazer mitos. Graduado em
teologia e filosofia, ele conversou com CRISTIANISMO HOJE:
Como explicar a proximidade de alguns dados da pesquisa entre casais crentes e os levantados junto à população em geral?
Na verdade, a pesquisa desvela um
universo que, talvez, ainda seja desconhecido do público em geral.
Contudo, ela apenas comprova o que já escuto todos os dias no meu
gabinete, durante as seções de aconselhamento. O que existe na verdade é
que a sociedade imagina que a religião é um cabresto para determinados
impulsos da natureza humana, como a sexualidade, por exemplo. Tratar
os evangélicos como uma categoria diferenciada da população é alimentar
um mito, é imaginar que esta “fatia” da sociedade possui hábitos e
costumes diferentes das outras pessoas. Engano. Se isso algum dia foi
verdade, hoje, já não é mais.
E por que o tema é tão espinhoso para os evangélicos?
Sexo, para os cristãos, sempre foi um
problema, e isso desde o início da Igreja. Paulo já carregava
notadamente certa dose de preconceito em suas epístolas, talvez por
questões pessoais, talvez como forma de antagonizar a doutrina cristã
frente à devassidão da sociedade romana, na qual ele vivia. Esta, por
sua, vez, já tinha influências do helenismo grego, onde o sexo assumia
diversos matizes contrários aos costumes hebreus. Dali para a frente, a
questão só piorou. No século 4, com Santo Agostinho, o sexo tornou-se
algo terrível, uma nódoa na consciência dos cristãos – feio, sujo,
impuro, perverso e vicioso. Esta não é uma questão ligada a uma época
ou a uma cultura, é algo atemporal, intrínseco ao ser humano, faz parte
de nossa natureza, devia ser visto como coisa comum, natural, pois,
tratar o tema de outra forma só faz proliferar o que temos aí, o sexo
como algo insalubre, como perversão escondida, como neurose religiosa, e
tudo o que é proibido explode da alma para a vida nas formas mais
hediondas possíveis.
Fonte: Cristianismo Hoje
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